“TEXTOS VIVOS E REVERENCIADOS DE UM IMORTAL NORDESTINO” - REVERENCIANDO E REFERENCIANDO OBRA E AUTOR. Por: Archimedes Marques
“TEXTOS VIVOS E REVERENCIADOS DE UM IMORTAL NORDESTINO”
REVERENCIANDO E REFERENCIANDO OBRA E AUTOR
Archimedes Marques
Dr. Archimedes Marques
Voltar a prefaciar um livro do
escritor paraibano, José Romero Araújo Cardoso,
para mim é uma honrosa incumbência, pois além de estar reverenciando uma grande
obra, também estou ao mesmo tempo referenciando um verdadeiro homem na
expressão da palavra, além de culto, ícone inconteste da densidade e da
maturidade acadêmica, um homem que pela sua história de vida, dentre os tantos
percalços, pedras e espinhos na sua caminhada, sempre se faz vitorioso.
A presente obra literária como um
todo, composta de textos diversos, trata-se de abordagens consistentes,
substanciais e, por que não dizer, textos vivos (como sugere o título do livro),
acerca de assuntos históricos e populares não repetitivos e cansativos, muito
pelo contrário, contados com a maestria própria daqueles que nasceram para a
imortalidade cultural, embora entenda o autor, seja a sua obra uma modesta
contribuição para o debate. Discípulo da formação humanística, pacificadora,
mas também guerreira própria dos grandes homens nascidos nas terras nordestinas,
Romero Cardoso, neste livro, transita com destreza em áreas interdisciplinares como
a História Contemporânea Mundial ingressando, assim, na questão da sua Globalização,
revivendo posteriormente a questão inicial
da dolorosa tragédia no Cone Sul ocorrida no Chile, entretanto, seu pico
maior em tais escritas e interpretações ora abalizadas, está na área dos eternos e constantes problemas da seca e do sertão
nordestino brasileiro, em vários dos seus aspectos, lendas e fatos vividos e
vivenciados pelos seus bravos componentes, suas alegrias e tristezas, em
destaque para o sofrimento desse povo, principalmente quando exalta o grande
escritor Josué de Castro no cenário do Nordeste brasileiro com excelentes
artigos pertinentes à sua valorosa obra “Geografia da Fome”. O leitor dotado de
observação sutil não deixará de perceber sua capacidade magistral de retratista
da paisagem humana e social do povo sertanejo ao sofrer todas as agruras de uma
época mais remota até a atual.
Misto de escritor, professor,
pesquisador, estudioso e empreendedor, Romero Cardoso, consegue transmitir às
páginas de seu livro o entusiasmo e o gênio que se fazem necessários em todas
as áreas das suas escritas. Detentor de grande capacidade criativa,
interpretativa e de inteligência aguçada que alia teoria com operacionalidade
até mesmo investigativa com diversas e importantes entrevistas para excelentes
conteúdos culturais, o autor é extremamente feliz nas abordagens dos temas
relacionados aos seus textos, pautando-se por um mesclado de abstração em
pequena parte deles e realidade na sua grande maioria, mas, ao mesmo tempo, sem
perder de vista sua aplicação prática no labor passado, presente e futuro,
desempenhando também seu sentido vital no cotidiano de nossa gente.
A contextura da obra traz à baila
discussões oportunas, pertinentes e necessárias gerando uma ampla compreensão
ao leitor, por mais leigo que
seja, visto ser patente que intrínseca e simetricamente o autor designa na
maioria dos textos como pontos de apoio à verdadeira história, sem
invencionices ou extravagâncias, mas contadas a seu modo, um modo gostoso de
ler.
Passear na região de Patú e suas cercanias,
no Rio Grande do Norte, junto com o protetor dos fracos e oprimidos, o
cangaceiro gentlemam Jesuíno
Brilhante, é reviver momentos brilhantes dentro de uma época de extrema seca no
mundo dos considerados “coronéis” que se achavam donos do poder e do povo,
verdadeiros “semideuses” na então “vida de gado” do sertanejo tão morto de sede
quanto de fome, tão sedento de justiça quanto faminto por direitos.
Analisar
e vivenciar a literatura de cordel em defesa do lado bom do nordeste é algo
gratificante. Melhor entender desse gênero literário popular escrito freqüentemente
na forma rimada, originado em relatos orais e impresso em folhetos
pelos poetas e escritores do meio do povo, além de gratificante é emocionante,
principalmente quando ainda vemos em feiras livres das pequenas cidades do
interior esses poetas recitarem tais versos de forma melodiosa e cadenciada, por
vezes acompanhados de viola. São os nossos grandes e humildes poetas populares
também raízes da nossa cultura. Em resumo, é tudo isso e muito mais que o autor
pretende incutir quando do texto relacionado à importância do cordel em sala de
aula.
Tomar conhecimento da lenda do Poço
Feio para saber que, de geração a geração, o povo entende que em noites de lua
cheia uma linda e fogosa mulher encantada atrai e afoga os homens que se
atrevem a banhar-se naquelas águas é algo encantador, faz parte da cultura imaginativa
do nosso povo, dos mistérios da crença popular.
Viajar de volta ao passado, em
espécie de túnel do tempo, para melhor conhecer a linda e estonteante Cabocla
Maringá e seus amores arrebatadores, é um verdadeiro deslumbre que faz bem aos olhos,
mente e coração até mesmo do leitor mais cético que seja.
Seguir sertão adentro, nas terras
áridas, no rastro das alpercatas de Virgulino Ferreira da Silva, o poderoso
bandoleiro Lampião, símbolo de coragem e determinação de um povo tão sofrido quanto
orgulhoso, saber de maiores detalhes sobre a sua vida, sua biografia, algumas
das suas andanças, sua vingança contra o “Coronel” Zé Pereira - antes seu
protetor - é sem dúvida viver um tempo de verdadeiros cabras-machos.
Melhor saber sobre a entrada de Sabino das Abóboras para o
cangaço, sobre a história inusitada e corajosa do cangaceiro Meia Noite e o
fogo da casa de farinha do sítio Tataíra, assim como sobre o covarde trucidamento
de Jararaca em Mossoró, faz qualquer leitor imaginar a época de sangue e
lágrimas que viveram os nossos antepassados. A história cangaceira é muito rica
e é enriquecida mais ainda quando é contada por um grande pesquisador como
Romero Cardoso.
Comprovando que Romero Cardoso é um
estudioso e grande pesquisador do tema cangaço, no ano de 1998, fora convidado
a escrever a introdução na produção fac-similar à edição de 1926, da obra
“Lampeão Sua História”, do escritor paraibano Érico de Almeida, ou seja, um dos
livros pioneiros relacionado a esse assunto. Como bem disse o próprio autor
introdutor: “Reeditá-la significa, antes de tudo, resgatar uma preciosidade da
nossa historiografia esquecida nas brumas do tempo”. E tem toda razão o
autor com tal assertiva.
Ainda dentro desse prisma,
relacionado ao tempo do cangaço de Lampião, o quão faz bem ler sobre o
fotografo e cinegrafista Benjamim Abraão Botto que deixou gravado na história
as tantas imagens dos cangaceiros, provas inequívocas dos seus gostos, usos e
costumes.
Espetacular também é reviver e
vivenciar a linda história de amor entre Xanduzinha e Marcolino Pereira Diniz (protetor de
Lampião) ocorrida entre as batalhas da época, casal imortalizado através da arte
musical do grande e inigualável Luiz Gonzaga, nosso eterno Rei do Baião, por
sinal também dos mais exaltados pelo autor, com honras e méritos, noutros
textos da presente obra que canta e encanta todo e qualquer leitor. Aliás, nada
poderia ser diferente partindo das escritas de Romero Cardoso, pois o grande
homem de Exu, dos mais importantes pernambucanos da história, Luiz “Lua” Gonzaga
do Nascimento, a maior personalidade musical que o Nordeste brasileiro deu para
o mundo, cantou alegrias, cantou tristezas,
chorou o choro dos mais necessitados, aboiou junto com os vaqueiros, idolatrou e
penou os seus amores perdidos, amou os seus familiares e amigos, denunciou as
injustiças dos homens, louvou a devoção aos Santos (em especial a São João),
exaltou o fenômeno “Padinho Ciço” do nosso povo crente e carente e, de uma
maneira toda especial e somente sua narrou em embutidas lágrimas o triste problema
da seca dos nossos sertões que se arrasta a passos curtos por anos a fio sem
solução governamental, com programas ineficientes que ganharam até a
nomenclatura de “Indústria da Seca”. Suas imortalizadas canções que rodam o
mundo comportam a essência mais autêntica de que realmente viveu aquilo que
cantou, por isso nos encantou, por isso também continua encantando os mais
jovens. Sua vida era sua obra e sua obra foi eternizada no seu ofício de louvar
a vida do seu povo de uma maneira simples, direta e verdadeira, dizendo aquilo
que por experiência carregava na memória e perpetuava no que cantava. Sem
dúvida de todos os verdadeiros nordestinos, a sua obra é nossa eterna adoração
musical que com certeza sobreviverá sem fim.
Relacionado à questão da chamada
“Indústria da Seca” anteriormente citada, que de uma maneira indireta, ou quase
direta, é pauta também de alguns textos da presente obra, o dito fator artificial
tem sido o modelo utilizado pelos políticos há décadas no Nordeste - desde o
tempo do Império para ser mais preciso - cujos atos de corrupção tem como causa
a incompetência, a leniência e o descaso principalmente do governo federal
passando também pelo crivo dos governos estaduais, sem esquecer a inércia do
próprio Poder Judiciário, que diante dos desmandos e desvios de verbas
públicas, bem como da sua utilização para servir de moeda de troca eleitoral,
tem ceifado vidas de crianças, adultos, idosos e animais, aniquilado famílias, arrasado
plantações, sendo a principal causa do êxodo rural dos nossos sertanejos que
terminam por virar marginais nas favelas dos grandes centros.
Em análise ao teor de mais dois
artigos da obra em pauta, em tempos de relações líquidas e efêmeras vividas
pelo povo sertanejo, ao sofrer a violência da natureza, dos cangaceiros e do
próprio Estado via das já citadas más ações governamentais, bem como das arbitrariedades
e crimes praticados pela polícia volante - que em tese seria sua protetora - o
autor também se preocupou em mostrar o outro lado da moeda através das
narrativas muito bem pesquisadas, arquitetadas e montadas relacionadas aos
textos sobre os Coronéis Manuel Benício e Manuel Arruda de Assis, este último
em entrevista pessoal falando sobre os métodos de sangramento utilizados tanto pelos
cangaceiros quanto pelas volantes, ou seja, comprovando que a polícia e o bandido
estavam sempre no mesmo patamar.
O autor vislumbra outros textos não
menos importantes a respeito de Leandro Gomes de Barros; do navegador João de
Calais; dos Tropeiros de Borborema; sobre a região de Mossoró que hoje é a sua
morada e terra amada, questões diversas ligadas a esse município como a caprinovinocultura
em assentamentos rurais, a bem pensada e merecida exaltação às parteiras
tradicionais, em especial, à parteira das mulheres pobres da localidade,
Senhora Maria Joaquina de Souza, pessoa que merece os aplausos de todos os
brasileiros; também sobre a importância da Cera de Carnaúba na economia
regional dos seus cultivadores e produtores.
De volta ao passado, o autor passeia galhardamente
com artigos pertinentes a personalidades como João Pessoa, Gilberto Freyre, Delmiro
Gouveia, Ariano Suassuna, dentre outros nomes não menos expressivos que emergem
e imergem nas suas concatenadas escritas; bem discorre sobre Vingt-Um Rosado e
sua batalha em defesa da pesquisa de petróleo na Bacia Potiguar; analisa a
insurreição de Princesa, então liderada pelo “Coronel” Zé Pereira; entra no
mérito do boom econômico nordestino
depois da primeira Guerra Mundial. Tudo em comprovação de que o seu
conhecimento é vasto e muito bem pesquisado, também um grande e exímio professor.
Pode-se destacar, ainda, a relevância
da preocupação do Romero Cardoso que em consonância com sua trajetória de
excelente professor e pesquisador, debruça-se em rápidas e excelentes
pinceladas de cores vivas sobre as questões controversas relacionadas ao Padre
Cícero Romão Batista, assim como também sobre Canudos, a guerra desumana e
cruel quando verdadeiros exércitos federais dizimaram os comandados de Antonio
Conselheiro. Nesses termos o leitor também pode apreciar a história do bravo Pajeú,
que sem dúvida foi o maior estrategista da resistência de Canudos, então
transformada em ruínas e cinzas pelos vencedores, se é que houve vitoriosos,
vez que foi uma guerra totalmente desigual e desproporcional entre grandes
exércitos bem treinados, bem armados e municiados, com fuzis, canhões e tudo
mais, contra pessoas do povo com armamento obsoleto, muitos armados com
enxadas, foices, facas, facões e até paus e pedras.
Enfim, o livro oferece ao leitor um
relato das vicissitudes dessa viagem ora denominada de textos vivos e
reverenciados, textos conscientes de seu próprio valor, textos que certeza
tenho terão a anuência de todos, pois retratam acima de tudo a alma do autor,
põem em devido relevo o ser sertanejo, o ser nordestino, o ser cabra-macho, não
somente por ter nascido, crescido, amadurecido e continuar morando nesse rincão
brasileiro, mas principalmente por possuir as qualidades da inteligência
arguta, hospitalidade franciscana e valentia obstinada, um imortal na arte das
letras.
Ao finalizar, conclamo a todos procederem
à leitura de obra tão valorosa, culminância de um trabalho de pesquisa de anos
a fio dedicados pelo autor em artigos separados com publicações imediatas ou
periódicas em inúmeros sites, blogs, portais, jornais impressos e revistas e,
agora organizados em livro pela consagrada Escritora, Professora e Doutora em
Filologia Românica, Marinalva Freire da Silva.
Aracaju,
25 de março de 2013
Archimedes Marques
Delegado de Polícia em Sergipe e
Escritor.
archimedes-marques@bol.com.br
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